Durante a negociação do Orçamento de Estado, o GEOTA tem reunido com os grupos parlamentares da Assembleia da República, com uma agenda em defesa do ambiente e da justiça social. Em comunicado, explicam as medidas “ambiciosas, mas realistas e urgentes”.
“A meta da descarbonização em 2050 foi traçada mas a gravidade dos cenários de alterações climáticas exige mais”, afirma Marlene Marques, presidente do GEOTA. Das ameaças à biodiversidade, aos incêndios florestais e aos cenários de seca extrema, torna-se claro que a agenda ambiental cruza inevitavelmente os domínios da economia, segurança, saúde e gestão do território. “Infelizmente, continuamos a assistir ao mesmo tipo de más decisões que nos levaram à situação atual, com “soluções” danosas sem fundamentação técnico-científica ou participação pública digna desse nome”, explica em comunicado da associação.
E acrescenta que “lidar com a crise climática exige adaptar a forma como vivemos e trabalhamos. Mais do que um desafio tecnológico, este é sobretudo um desafio societário, que requer a ação concertada de todos os setores da sociedade. É imperativo ligar os principais problemas: a emergência climática e as desigualdades. Só assim reuniremos as condições para uma transformação sem precedentes.” A questão que se coloca agora é “como chegamos lá”, explica.
“Nos últimos meses assistimos ao renascer de projetos de obras públicas e privadas, comunicados como aprovados e positivos, sem fundamentação nem aplicação dos requisitos de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) ou Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).” São exemplos disso o Aeroporto no Montijo ou diversos projetos de regadio, como a Barragem do Pisão. “Esta estratégia do facto consumado não é nova, mas é absolutamente inaceitável. As decisões devem ser tomadas após a aplicação de requisitos legais, sendo da maior importância que o Novo Aeroporto e o Plano Nacional de Regadios sejam sujeitos a AAE.”
Denunciam que o acesso à informação sobre os processos de decisão, em especial perante riscos ambientais e sociais, devia ser público e mais transparente. Defendem também que as consultas públicas e as preocupações dos parceiros sociais sejam verdadeiramente tidas em conta nas decisões. E que sejam dadas formações sobre ambiente e participação cívica a Deputados, Magistrados e dirigentes da Administração Pública.
Reforma Fiscal Ambiental
João Joanaz de Melo, investigador e ativista do GEOTA, recomenda que “devia ser instituída uma verdadeira reforma fiscal ambiental e social, em linha com recomendações de longa data da OCDE e da União Europeia. As famílias e empresas não devem ser sujeitas a maior carga fiscal, mas esta deve ser redistribuída em função do desempenho ambiental e equidade social”. Querem a aplicação o princípio do triplo dividendo: as ecotaxas promovem a defesa do ambiente, a desoneração da carga fiscal sobre o trabalho promove o emprego, e os incentivos à eficiência promovem a inovação e a competitividade das empresas. “Há vários exemplos de aplicação deste princípio em Portugal, mas de forma superficial e sem continuidade. Esta reforma deve contribuir igualmente para o reforço de meios humanos e materiais do Estado, desesperadamente necessários, nos domínios do Ambiente, Ordenamento, Energia e Mobilidade.”
Para o GEOTA, é necessária uma combinação de incentivos económicos, regulação e educação para a “literacia energética”, junto de todos os setores: famílias, instituições públicas e privadas, empresas industriais e de serviços, e setor agroflorestal. “A prioridade tem de ser a promoção da eficiência energética complementada com a transição para fontes de energia renováveis, descentralizadas e de baixo impacte”.
Nesse sentido, propõem:
- Criar uma taxa de carbono que reflita os custos ambientais da poluição. As receitas devem ser obrigatoriamente consignadas a medidas de eficiência energética, nos transportes públicos e na redução de outra carga fiscal (ISP, IRS, IRC), na lógica da neutralidade fiscal;
- Criar incentivos eficazes, incluindo benefícios fiscais em IRS e IRC, para a requalificação e melhoria do comportamento energético dos edifícios, dirigidos às famílias, empresas e instituições (incluindo aquecimento solar para águas sanitárias); de modo semelhante, são indispensáveis incentivos à eficiência para a indústria e serviços, incluindo benefícios fiscais em IRC;
- Eliminar incentivos perversos, socialmente iníquos e promotores de maus comportamentos ambientais, como os subsídios às barragens e aos carros individuais e as isenções de ISP;
- Incentivar a geração descentralizada de energia, com destaque para o fotovoltaico, apoiando e promovendo comunidades de energia “prosumers” (produtores-consumidores).
Água: “ter mais requer preservar a sua origem”
Segundo Ana Brazão, do GEOTA, “um dos maiores desafios das próximas décadas será assegurar as necessidades de água num quadro de escassez crescente. Tal implica a redução de desperdícios nos diferentes setores, mas também alternativas na agricultura, o maior consumidor. Implica igualmente preservar as fontes de água doce, os nossos aquíferos e rios, prevenindo a degradação e restaurando os ecossistemas ribeirinhos, ameaçados sobretudo pela poluição e pelas alterações ao curso natural dos rios, através das barragens, que existem em excessivo número em Portugal, mais de 8 000.”
Por isso, a ativista entende ser “primordial assegurar que os rios e trechos de rios ainda livres possam ser alvo de maior proteção, como exigido na Lei da Água, através da criação de um estatuto de conservação semelhante às “reservas naturales fluviales” espanholas”. E que é igualmente essencial ponderar o futuro das barragens em fim de vida útil e/ou que já não tenham funções sociais e económicas, estudando adaptações ou a remoção, a par do que tem sido o caminho traçado por Espanha, França ou Suécia. Propõem também “reforçar o poder e a dotação financeira de ferramentas de gestão de recursos hídricos à escala da bacia, com destaque para os Planos de Gestão de Região Hidrográfica. O atual modelo institucional não é o mais adequado”. Uma das soluções, entendem, seria “devolver a autonomia às Administrações de Região Hidrográfica”.
Mobilidade e Transportes
No setor dos transportes um dos principais emissores de gases de efeito de estufa, acreditam que a solução passa pelo forte investimento no transporte coletivo, complementado por meios de mobilidade suave como a bicicleta. “A redução do preço dos passes é uma medida no bom sentido, mas alertamos que faltam meios para concretizar os objetivos. A medida dos passes levou mais gente aos transportes, mas não diminuiu o uso excessivo do automóvel individual, tornando ainda mais visível essa falta de recursos em matéria de mobilidade. É necessário apostar na organização e na qualidade de serviço do sistema de transportes, incluindo investimento em material e meios humanos.”
Sugerem também a criação de um Observatório da Mobilidade nas duas áreas metropolitanas e, para o transporte de longa distância de passageiros e mercadorias consideram essencial desenvolver um Plano Nacional de Mobilidade, com o devido suporte técnico e ampla participação dos parceiros sociais. A espinha dorsal será necessariamente a modernização da rede ferroviária nacional, incluindo alta velocidade quando justificável.
Agricultura
Miguel Jerónimo, do GEOTA, defende que “o aumento da agricultura intensiva, em particular o olival, acarreta um conjunto de graves impactes. Requer grandes quantidades de água, o que é particularmente preocupante nos cenários de alterações climáticas para o Sul do País, e contribui para a sua poluição. A mobilização do solo e a remoção do coberto vegetal degrada a sua estrutura e promove a erosão. Requer igualmente mais energia do que a agricultura tradicional e provoca a destruição de habitats. Apesar de largamente subsidiada pela PAC, inviabiliza as metas das Diretivas Quadro da Água, Habitats e Aves”.
Nesta área, algumas das propostas do GEOTA são:
- Um Plano Nacional para o Uso do Solo, com objetivos claros para a conservação e mecanismo de incentivo e desincentivo de boas e más práticas, com fiscalização adequada.
- Monitorização dos impactes ecológicos e sociais da Agricultura, em especial das formas Intensivas numa perspetiva comparada com outras formas de produção (de sequeiro, integrada, biológica)
- Metas mais ambiciosas de promoção e apoio a modos de produção sustentáveis, redirecionando subsídios públicos, numa perspetiva de pagamento de serviços dos ecossistemas.
- Criação de circuitos diretos e de redes de abastecimento e armazenagem de produtos agrícolas, fora das grandes cadeias comerciais, assim como de microplataformas logísticas nas cidades, para regulação do abastecimento do comércio retalhista e do tráfego urbano.
- Defender a paisagem de acordo com a Convenção Europeia da Paisagem, ratificada por Portugal, travando a transformação da paisagem agrícola e de património edificado, como se tem verificado com a destruição de sítios arqueológicos no Alentejo.
Ordenamento do Território, Florestas e Biodiversidade
Neste âmbito propõem:
- A implementação de modelos colaborativos e participativos na gestão das Áreas Protegidas, com vista sobretudo à integração dos atores locais nos processos de tomada de decisão;
- Impedir que os Planos Especiais de Ordenamento do Território passem a Programas, deixando de vincular os particulares (data prevista segundo a LBSOTU: julho 2020)
- Repor, com uma fórmula mais clara, os pagamentos aos municípios que têm no seu território áreas classificadas, dando pleno cumprimento aos objectivos da Lei das Finanças locais
- Expandir o projeto piloto do pagamento dos serviços dos ecossistemas a todo o Sistema Nacional de Áreas Classificadas, comprometendo o Estado com a valorização do património natural junto das comunidades, numa lógica de compensação por um serviço de interesse público prestado.
- Reforço da Reserva Ecológica Nacional no sentido de constituir uma verdadeira rede de corredores ecológicos, coincidentes com a rede hidrográfica, que permita garantir a conectividade dos ecossistemas fluviais e terrestres, e contribuir para a regulação climática, a manutenção da biodiversidade, a proteção dos solos e a prevenção de incêndios rurais.
- Maior dotação orçamental e de recursos humanos de entidades de proteção e gestão ambiental. É também necessário dar prioridade a projetos de conservação da natureza e restauro dos ecossistemas na dotação financeira do Fundo Ambiental.
Nas florestas, consideram que “o debate tem sido demasiado focado no combate a incêndios e pouco nas suas causas: o despovoamento, o desordenamento do território e as monoculturas sem gestão”. Por esse motivo, propõem:
- Condicionar a expansão e replantação de espécies de crescimento rápido, e simultaneamente criar incentivos eficazes para substituição de ocupações do solo inadequadas por outras que cumpram funções de serviços dos ecossistemas, designadamente matas de espécies autóctones, montado e prados naturais, entre outras.
- Desenvolver um programa nacional direcionado para a renaturalização e restauro de habitats degradados.
- Criar um programa nacional de prevenção e controlo de espécies exóticas invasoras, com foco em particular no Sistema Nacional de Áreas Classificadas.
- Aprovar legislação que possibilite ao Estado tomar posse administrativa das terras sem dono conhecido, com o respetivo pacote de medidas de gestão que evitem o seu abandono, assim como intervir nas sucessões contenciosas e impedir a ausência prolongada de gestão do território.