Primeiro evento público do movimento consistiu numa caminhada pelas margens do rio Tinto, no Parque Oriental do Porto, até ao Douro, em Ribeira de Abade (Gondomar), e serviu de alerta para a comunidade.
No dia 18 de junho, a escassos dias da caminhada do #MovRioDouro, o Movimento em Defesa do Rio Tinto, um dos membros do #MovRioDouro, pediu esclarecimentos à Agência Portuguesa do Ambiente, vereadores do Ambiente das Câmaras de Gondomar e do Porto, Águas do Porto e de Gondomar e SEPNA, sobre mais uma situação alarmante no estuário: águas altamente eutrofizadas junto ao novo intercetor do Rio Tinto, no rio Douro, junto à ponte do Freixo. Esta não é a primeira vez que o Movimento em Defesa do Rio Tinto alerta para este facto. “Estas entidades não se podem remeter ao silêncio porque arriscam-se a ser cúmplices de uma agressão no estuário do Douro” explica Paulo Silva, que representa o Movimento em Defesa do Rio Tinto no #MovRioDouro.
Este, aliás, é apenas mais um exemplo de uma das ameaças constantes à Bacia Hidrográfica do Douro, a maior da Península Ibérica. O recém-criado #MovRioDouro – um movimento de cidadania em defesa dos rios da bacia hidrográfica do Douro, que congrega pessoas, membros da comunidade científica, grupos e associações para a defesa dos rios – não quer deixar passar estas situações despercebidas e apresentou-se publicamente com uma caminhada pelas margens do rio Tinto, até ao estuário do rio Douro (Ribeira de Abade).
A atividade contou com a intervenção de dois académicos, membros do grupo, que levaram aos participantes a “experiência do ativismo” e a “recuperação dos rios e das suas margens”. Paulo Silva, do Movimento em Defesa do Rio Tinto, e Pedro Teiga, do Engenho e Rio, fazem agora também parte do #MovRioDouro, uma organização informal mais alargada que é composta por outros movimentos, associações e pessoas a título individual.
A evolução da qualidade do rio Tinto, tendo por base a eliminação das descargas das ETAR nesse meio hídrico, foi o ponto de partida para se discutir o que já foi feito e o que ainda falta fazer para recuperar o rio Tinto. O projeto do Parque Oriental do Porto e como ele se articulou com a recuperação rio Tinto foi outro dos temas abordados, com um foco, em particular, nas opções que foram tomadas na recuperação das margens do rio.
O rio Douro tem futuro?
A caminhada terminou no Douro, com a discussão em torno da qualidade da água do estuário e das razões que levam a que, anos após ano, várias praias do estuário não sejam classificadas como zonas balneares. Sobre este assunto, Adriano Bordalo e Sá, investigador do ICBAS e membro do #MovRioDouro, dá nota de outros problemas no Douro, para além das ETAR. “A bacia do Douro tem vindo nos últimos 70 anos a sofrer profundas intervenções humanas. Se até aos anos 80, a mais notória foram as grandes barragens – a primeira a apenas 30 quilómetros da nascente e a última a escassos 21,5 quilómetros da foz, hoje o regadio fomentado pelos fundos comunitários, desde a vinha à beterraba, da oliveira ao girassol, retira água preciosa e devolve uma miríade de agroquímicos, sem os quais a agricultura da Política Agrícola Comum não sobrevive”, explica.
Mas se a quantidade de água tem vindo a ser reduzida, “a qualidade deixa muito a desejar”, refere Bordalo e Sá. O foco aqui, indica, vai para o “impacto da atividade agroeconómica”. “Menos oxigénio, mais matéria orgânica, mais fertilizantes. Mal entra em Portugal, o Douro tem que enfrentar 10 grandes barragens com outras tantas albufeiras, onde a água fica represada à vontade dos interesses económicos das hidroelétricas de cá e de lá. De verde, a hidroeletricidade nada tem”, esclarece. “No troço português, a pressão aumenta em direção à foz, com destaque no estuário. O urbanismo descontrolado permite acomodar centenas de milhares de pessoas, com destaque em Gondomar e Vila Nova de Gaia, à medida que o Porto se esvazia. No total há oito ETAR a drenarem para o estuário mas, paradoxalmente, os níveis de poluição fecal no rio são inadmissíveis para uma metrópole europeia”, alerta o investigador, membro do #MovRioDouro.
De acordo com a investigação levada a cabo por Bordalo e Sá, nos últimos meses, a pandemia “ajudou um pouco” na questão da poluição do rio Douro. Em especial durante os dois meses do primeiro confinamento, a pressão diminuiu e “a água teve, efemeramente, qualidade compatível com banhos”. Mas isso não é “sinónimo de despoluição”. Há acordos pontuais entre municípios mas, de facto, nunca se entenderam na essência. “O Plano de Ordenamento (Gestão) do estuário nunca passou do papel e, hoje, quem tem poder consegue o que quer. Convém não esquecer que a Ribeira do Porto é Património Mundial”, lembra o membro do #MovRioDouro. “E que tem aos seus pés as águas tão maltratadas do rio Douro”, conclui.