De uma forma sistemática, as áreas de regadio beneficiadas com a construção de uma barragem acabam por beneficiar não as populações locais, mas sim grandes empresas e proprietários, não se verificando uma equidade e justiça social nesses contextos. Para além disso, a construção de barragens para regadio assegura uma disponibilidade hídrica constante o que leva à intensificação da agricultura, de forma a aumentar a produtividade para gerar mais lucro. Isto provoca uma grande pressão nos solos e na quantidade de água necessária para sustentar estes sistemas, pondo em causa a sustentabilidade dos recursos hídricos numa época de emergência climática.
Apesar do setor agrícola consumir mais de 70% da água utilizada no país, Portugal tem neste momento uma pressão enorme para construção de barragens de regadio, concretizada no Programa Nacional de Regadios e no estudo Regadio 2030, que fundamentam e justificam projetos como o Projeto Tejo e a barragem do Pisão. Neste momento, em que já enfrentamos fenómenos de seca decorrentes das alterações climáticas, não se justifica investir na construção de barragens que promovem formas de agricultura com grande dependência da água. Com custos elevados para os ecossistemas, para a biodiversidade e para a manutenção dos recursos hídricos, a aposta de Portugal na construção de barragens cujo principal fim é o regadio promove a expansão de uma paisagem de monoculturas irrigadas, muitas vezes usando espécies não adaptadas ao clima e região.
As barragens com fins de regadio acarretam impactos ecológicos acrescidos, pois o impacto direto não é só na zona de albufeira e na parte a jusante do curso de água, mas também em extensas áreas que passam a ser irrigadas, nas quais, tipicamente, a paisagem natural ou tradicional é convertida em monocultura intensiva de regadio, danosa para o ambiente e muito dependente da água.
Decorrente da posição assumida pelo GEOTA no que respeita a barragens de regadio, é para nós fundamental pôr em causa a suposta construção da barragem do Pisão (Empreendimento de fins múltiplos do Crato), cuja execução se prevê que seja próxima. Financiado pelo PRR em 120 milhões de euros, vai afetar mais de 10 mil hectares de paisagem (grandes áreas de montado) incluindo a área de regadio. Esta barragem é um claro exemplo de como as políticas do governo nesta matéria não estão alinhadas com as diretrizes europeias para a mitigação das alterações climáticas. Com a construção da barragem do Pisão, o enchimento da albufeira irá inundar 725 hectares de montado, mas os impactos vão muito além da zona de inundação. Com o principal intuito de promover a agricultura intensiva de regadio numa área de cerca de 10 mil hectares, esta barragem coloca em risco montados, olivais tradicionais milenares, estepes cerealíferas e zonas naturais de elevado valor ecológico, potencialmente afetando habitats classificados pela Diretiva Habitats e espécies de aves em risco de extinção protegidas pela Diretiva Aves, como a Cegonha-negra e o Milhafre-real. O Montado é um sistema agrosilvopastoril de enorme valor económico, social e ambiental, que alberga biodiversidade única, e cuja conservação é essencial para a manutenção dos recursos hídricos e edáficos, e para a resiliência aos efeitos das alterações climáticas.
O programa Rios livres visitou a região do Pisão e Crato e entrevistou vários elementos da população e stakeholders. Na aldeia do Pisão em particular, e na região do Crato em geral, a esmagadora maioria considera a barragem como algo positivo, na perspetiva de que uma maior disponibilidade de água irá trazer mais desenvolvimento social e económico, turismo, melhoria das condições de vida, entre outras.
No contexto das alterações climáticas e da escassez de água, pretendemos alertar para os principais impactes das barragens, nomeadamente as com fins de regadio, assim como promover soluções alternativas de gestão de recursos hídricos com maior eficiência hídrica e menor dependência da água. Neste sentido, para além de fazermos visitas de campo, reunirmos com especialistas, produzirmos materiais de comunicação, e intervirmos na comunicação social, publicámos um artigo científico da autoria de Ricardo Próspero, no Public Policy Portuguese Journal intitulado Food Production Vis-à-Vis Water Scarcity in Portugal – Using public policies to promote rainfed nut production,
Ricardo Próspero (2021)