São vários os desafios que se colocam aos rios portugueses. A emergência climática coloca a gestão dos recursos hídricos na ordem do dia. Se por um lado há que garantir disponibilidade e qualidade de água para as atividades essenciais que dela dependem, como a agricultura e o consumo humano, por outro, este é um recurso cada vez mais escasso. Neste sentido, a gestão sustentável dos recursos hídricos passa por:
– Garantir o bom funcionamento do sistema fluvial natural, nomeadamente a conectividade longitudinal com a remoção de barreiras obsoletas prejudiciais aos ecossistemas, e a não construção de barragens desnecessárias, de forma a preservar os ecossistemas fluviais e a biodiversidade;
– Promover práticas agrícolas sustentáveis, que permitem maior resiliência aos efeitos das alterações climáticas e com menor dependência dos recursos hídricos, já que em Portugal o sector agrícola consome cerca de 74% da água,;
– Promover uma melhor cooperação transfronteiriça na gestão das bacias hidrográficas partilhadas;
– Assegurar um enquadramento legal adequado para a preservação dos sistemas fluviais, como a criação de uma lei que proteja os nossos rios;
– Garantir processos de monitorização da qualidade de água eficientes.
A avaliação da saúde ambiental dos rios é pertinente, mas a resposta não é linear. Se considerarmos a Diretiva Quadro da Água, a saúde ambiental corresponde ao estado ecológico dos rios e o bom estado ecológico deveria ser atingido em 2027 em 100% das massas de água. Atualmente, cerca de 50% das massas de água superficiais, de acordo com os planos de Gestão de Região Hidrográfica (APA) estão classificadas como possuindo um bom estado ecológico. Isto significa que pelo menos metade dos rios e ribeiras em Portugal não cumprem os critérios mínimos de qualidade química e ecológica. Este número deixa antever grandes dificuldades no cumprimento do objetivo da Diretiva Quadro da Água, sobretudo quando, em Portugal, se continua a apostar em alternativas pouco sustentáveis na gestão dos recursos hídricos, como é o caso da anunciada barragem do Pisão, que certamente originará impactes negativos muito significativos.
Por outro lado, a avaliação preconizada pela Diretiva Quadro da Água apenas considera parâmetros químicos e ecológicos. A avaliação da saúde dos rios deveria ser entendida de uma forma mais abrangente, integrando também critérios sociais, culturais e até económicos. Uma visão global dos sistemas fluviais permite uma abordagem mais consciente, e consequentemente mais sustentável.
As principais causas estão associadas a questões estratégicas, mas também a questões operacionais. As diretrizes europeias são claras na necessidade de uma melhor gestão dos recursos hídricos. Por exemplo, a Nova Política Agrícola Comum defende o reforço do contributo da agricultura para os objetivos ambientais e climáticos da UE. Contudo, as políticas que têm vindo a ser implementadas pelo Governo Português não estão alinhadas com estas diretrizes. É urgente implementar em Portugal soluções que visem a preservação dos recursos hídricos, como a implementação de uma estratégia de remoção sistemática de barreiras obsoletas, a promoção de uma transição para uma agricultura mais sustentável, menos dependente de água, que use espécies adaptadas ao nosso clima e às várias regiões, e que não contribua para o declínio da biodiversidade.
As entidades governamentais, nomeadamente a APA, têm um papel preponderante na gestão dos recursos hídricos e na promoção de rios livres e saudáveis. Como já referido, Portugal comprometeu-se, tal como os restantes países Europeus, a atingir, até 2027, o bom estado ecológico em todas as massas de água que constituem a estrutura hidrográfica do país.Isto significa, na prática, que, as entidades governamentais deveriam alterar políticas e estratégias, particularmente no âmbito da água e da agricultura, que produzam efeitos significativos nos cursos de água. Este desafio torna-se ainda mais exigente no contexto das alterações climáticas. É necessária uma mudança paradigmática que passa pela implementação efetiva das estratégias europeias.
O Pacto Ecológico Europeu, no qual se insere a Estratégia da Biodiversidade para 2030 e a Estratégia do Prado ao Prato, reforça a necessidade de restauro de, pelo menos, 25 mil quilómetros de rios livres de barreiras, bem como a importância de transitarmos para formas de agricultura mais sustentáveis. O cumprimento destas metas contribuiria para a criação de ecossistemas fluviais mais saudáveis.
Porém, existe uma enorme pressão para se construírem novas barragens em Portugal. Adicionalmente, ao contrário daquilo que acontece noutros países, Portugal não tem um programa de remoção sistemática de barreiras obsoletas prejudiciais aos ecossistemas. Importa referir que o projeto Rios Livres GEOTA não se posiciona contra toda e qualquer barreira fluvial, mas sim contra barreiras desnecessárias a nível social e económico, e com impacto ecológico negativo.Em Portugal, estima-se que existem cerca de 7 mil barreiras à conectividade fluvial, e muitas são obsoletas. Por um lado, devemos apostar na remoção de barreiras oboletas com impacto ecológico negativo, e por outro, não podemos continuar a apostar na expansão de um sistema de monocultura agrícola intensiva e muito dependente de água – um recurso que será cada vez mais escasso no contexto das alterações climáticas.
A alteração de comportamentos individuais, no que respeita ao ambiente em geral, e aos recursos hídricos em particular, é essencial e pode ter um efeito transformador na forma como nos relacionamos com o nosso planeta. Está na hora de deixarmos de ver a natureza simplesmente como uma fonte de recursos que queremos explorar, e de passar a vê-la como algo do qual fazemos parte, e que é essencial preservar, até para a nossa própria sobrevivência. omportamentos individuais sustentáveis, para além de promover a diminuição dos gastos de água, reflectem uma transformação de mentalidades no que diz respeito à forma como exploramos os bens naturais.
Neste sentido, há comportamentos que se prendem com hábitos domésticos e hábitos de consumo que podem efetivamente contribuir para a poupança de água. Há gestos que nós, enquanto cidadãos, podemos adotar e que podem favorecer, à escala respetiva, a saúde ambiental dos rios. Não gastar água em casa de forma imponderada é um hábito essencial. Também é importante atentar ao facto de que tudo aquilo que consumimos tem um grande gasto hídrico, incluindo as roupas que usamos, ou os telemóveis e outros aparelhos que tantas vezes tendemos a trocar mais vezes do que o necessário.
Para além disso, é essencial perceber que, num país onde não se tem conseguido garantir adequadamente a qualidade ecológica dos rios portugueses, deve-se reivindicar que as entidades responsáveis cumpram o seu papel. Em Portugal, 70% da água é utilizada na agricultura e, por isso, a nossa ação enquanto cidadãos individuais pode passar pela associação a grupos ambientalistas, para que juntos possamos ter mais “voz” e um impacto positivo na sociedade e no ambiente. Neste sentido, o GEOTA está a promover uma Iniciativa Legislativa dos Cidadãos “Rios Livres (ILC) que permite que cada um de nós possa fazer a diferença individualmente, assinando-a.
Em Portugal, não existe uma lei que proteja de forma integrada o funcionamento dos ecossistemas fluviais. Para colmatar esta falha, o projeto Rios Livres do GEOTA, em colaboração estreita com especialistas e académicos, criou a ILC com uma proposta de lei que pretende contribuir para a preservação da água e das espécies e habitats fluviais em Portugal. Para ser levada à Assembleia da República para discussão, esta petição necessita de atingir as 20 mil assinaturas.
Os rios não conhecem limites administrativos. Eles fluem pelo território sem atender a políticas, convenções ou leis. Assim, a sua gestão deveria passar por uma articulação efetiva entre os países que partilham as bacias hidrográficas, como acontece com Portugal e Espanha, por exemplo nas Bacias do Douro e Tejo. Ao nível governamental, esta cooperação transfronteiriça tem ainda muitas lacunas. A nível regulamentar identifica-se a Convenção de Albufeira como o instrumento que regula a gestão de bacias transfronteiriças. Esta pressupõe uma cooperação luso-espanhola para a gestão de bacias hidrográficas e sublinha a necessidade de se implementarem caudais ecológicos. Este acordo regulamenta a forma como a água deve ser enviada das barragens espanholas para os cursos de água portugueses. O problema é que, ainda que se possa cumprir esta Convenção, não se têm assegurado a existência de caudais ecológicos. O caudal ecológico de um rio é um caudal que permite assegurar o bom funcionamento ecológico dos ecossistemas fluviais e deve acompanhar as flutuações naturais de caudal. Ora, se Espanha regular a água que liberta para Portugal pela subida ou descida dos preços da energia, de acordo com as suas necessidades, vamos ter momentos com caudais muito reduzidos e outros com caudais demasiado grandes. No final do ano, “as contas batem certo”, pois cumpre-se o estipulado na convenção, provocando, contudo, graves problemas ecológicos, sociais e até económicos no lado português.
Em vez de se atingir uma melhor articulação entre os dois países, aquilo que tem sido proposto pelo governo português é a construção de mais estruturas para garantir os caudais ecológicos e a suposta necessidade de água. Estas põem em causa a saúde ecológica dos rios, destruindo habitats e diminuindo a biodiversidade. É, de facto, necessário criar uma articulação mais séria com Espanha e assegurar o cumprimento correto da Convenção de Albufeira.